O texto abaixo foi escrito por mim um dia após a morte de Brizola e publicado no saite da revista Caros Amigos. Publico neste blog celebrando os 90 anos de seu nascimento que se completam neste dia 22/01.
O ano era 1982, eu tinha quase dezessete anos. Estava entrando na
Biblioteca Nacional, centro do Rio, para fazer uma pesquisa sobre explosivos.
Mas o som bombástico veio do outro lado da rua. Num palanque tosco, montado à
frente da Câmara Municipal, discursavam militantes políticos de um partido
nascente, diante de uns cem aguerridos e curiosos. Um nome se repetia em todas
as falações: Leonel de Moura Brizola.
Não, naquele dia não fiquei, fiz minha pesquisa e fui embora. Mas eu
vira a marola que antecedera uma onda. Poucas semanas depois, lá estava eu
empolgado com o crescimento da candidatura ao Governo do Estado daquele líder
que voltara há menos de três anos do exílio, e que no início me parecera apenas
uma figura exótica. Não pude votar naquela época, não havia o voto aos 16. Mas
panfletei, fui a debates, comícios, colei adesivo em tudo quanto era lugar,
discuti nas ruas, nos bares, nos ônibus, não fiz pichação mas morri de inveja
de quem fez. "Brizola na Cabeça e no Coração", era o lema. Calculo
que consegui pessoalmente uns 50 votos. Para dar uma noção do envolvimento, meu
pai era candidato a vereador em Angra dos Reis, mas pelo PMDB (nem poderia ser
pelo PDT, o partido ainda não existia lá) e eu fiz muito mais a campanha de
Brizola do que de meu pai que, graças a Deus, não brigou comigo, afinal eu
morava em outra cidade e ele acabou gostando de não ter sido eleito. O último
comício daquela campanha foi no mesmo lugar do primeiro, o que vi das escadarias
da Biblioteca. Só que dessa vez havia mais de cem mil pessoas na Cinelândia.
Ganhamos a eleição? Não, ele ganhou sozinho, nós só o seguimos. Não havia
dinheiro, o partido não estava organizado na maioria dos municípios, havia três
candidatos fortíssimos (Miro, Moreira e Sandra), todos com muito mais dinheiro
e apoio da mídia. Mas deixaram o homem falar... Aí não teve pra ninguém, nem a
fraude na apuração segurou a fera.
Foram várias campanhas, comícios
maravilhosos, mais derrotas que vitórias, fui militante durante dez anos e,
bem, eu também um dia me afastei politicamente do Engenheiro, cansado do seu
método (ou de sua falta de) de fazer política. Não, não entrei no PT, estive
perto, mas sempre achei meio estranha a postura daquele pessoal. Faltava neles
a paixão, o tesão, o nacionalismo sem-vergonha, a identidade brasileira, a cara
de povo que eu vira nos (efêmeros) tempos áureos do PDT. Hoje, essas diferenças
estão mais fáceis de entender, até porque vários dos petistas históricos
encontram-se tão perdidos quanto eu, que não consegui deixar de ser
trabalhista, e o trabalhismo ainda é muito mais histórico que o petismo. Acontece
que essa perplexidade perante o governo Lula não haveria com Brizola,
simplesmente porque todos sempre soubemos como ele era, ele sempre pôs a cara a
tapa, nunca se escondeu atrás de postos honoríficos ou simbólicos. Seu relativo
desprezo pelos cargos legislativos se explica porque logo ele, um mestre da
oratória, não se interessava em discursar, queria agir, e a caneta de executivo
lhe fascinava muito mais do que o púlpito do parlamentar.
Falam muito dos muitos erros de Brizola, que ele tinha boas intenções, mas poderia ter feito assim, ter feito assado... Falta afirmar que o que criou obstáculos para Brizola e o afastou do poder não foram seus erros, mas suas prioridades. As Crianças e a Educação eram sua obsessão, era nesse caminho que ele via a salvação do País. E isso incomodou demais. Das elites à classe "mérdia", corriam murmúrios de assombro pela possibilidade daqueles "neguinhos" terem as mesmas oportunidades que eles. Ele foi o único político de relevo na nossa história a bater de frente com o sistema Globo, e o nascedouro desse confronto não foram as posições políticas conservadoras do seu proprietário, mas quando o Roberto Marinho disse a ele que esse negócio de escola integral não era para todo mundo. Aí o homem ficou bravo!
Falam muito dos muitos erros de Brizola, que ele tinha boas intenções, mas poderia ter feito assim, ter feito assado... Falta afirmar que o que criou obstáculos para Brizola e o afastou do poder não foram seus erros, mas suas prioridades. As Crianças e a Educação eram sua obsessão, era nesse caminho que ele via a salvação do País. E isso incomodou demais. Das elites à classe "mérdia", corriam murmúrios de assombro pela possibilidade daqueles "neguinhos" terem as mesmas oportunidades que eles. Ele foi o único político de relevo na nossa história a bater de frente com o sistema Globo, e o nascedouro desse confronto não foram as posições políticas conservadoras do seu proprietário, mas quando o Roberto Marinho disse a ele que esse negócio de escola integral não era para todo mundo. Aí o homem ficou bravo!
Dizem que ele era uma raposa política. Menos para si próprio. O
homem enxergava muito longe, tão longe que não via os traíras que o cercavam, a
não ser quando era tarde demais. Cansou de ir contra o senso comum, para só
muito tempo depois os fatos confirmarem as suas teses. Nunca optou pelo que era
mais conveniente, mas sim pelo rumo que sua consciência indicava. A frase
"Brizola tinha razão" só não foi mais repetida por vaidade dos
"sabidos" que pensam que são sábios. Se jogasse futebol, Brizola
seria centroavante, daquele trombador, para quem não existe bola perdida. Que,
de cara pro goleiro, chuta na arquibancada e depois faz um gol sensacional, e a
galera adora e odeia ao mesmo tempo. Se fosse um super-herói, seria o
Demolidor, um cego que vê mais que quem enxerga, que mora num bairro pobre e
todo mundo conhece a identidade secreta, que prefere ser advogado dos
desvalidos e não dos abonados.
Não fiquei tão triste com sua morte. Ela vem
para todos, e o atingiu ainda lúcido, lutando, embora politicamente vencido.
Tinha que ser do coração, que o norteou muito mais do que o cérebro, e já devia
estar muito cansado. Como Paulo, combateu o bom combate, perseverou na luta,
manteve a fé. Do outro plano (ele sempre estará do nosso lado), tenho certeza
que continuará lutando pelas suas crianças, nós todos que vivemos nesse grande
orfanato chamado Brasil. Não deixa herdeiros legítimos e de vulto, mas seu
legado não será abandonado. Talvez a pessoa que mais encarne hoje esse
"Homo Guerreirus" que foi Brizola seja a senadora Heloísa Helena, mas
ainda é muito cedo para afirmar isso.
Falta ainda dizer que meu Rio de Janeiro vive numa violência tão grande, e os sacanas e ignorantes dizem que foi porque o Brizola "liberou geral" as drogas e o crescimento das favelas. O que ele fez foi dizer que os pobres tinham que ser tratados como cidadãos, que todos mereciam as mesmas oportunidades. Com todos os equívocos que possa ter havido, se o Programa Especial de Educação (o dos CIEPs, ou "Brizolões") tivesse sido mantido e aprimorado, e não destruído, viveríamos numa Cidade e num Estado muito mais felizes. Brizola foi sempre sabotado, pela esquerda arrogante e pela direita raivosa. E, infelizmente, o mesmo povo que ele sempre defendeu muitas vezes cai na conversa desses malandros, no mau sentido. Observem que não falei nada de Cadeia da Legalidade, das encampações dos grupos econômicos estrangeiros, enfim, das lutas dele no período pré-anistia. Não foi de propósito, mas ficou melhor assim, afinal de contas dessa época muitos falaram e vão falar, e eu preferi contar um pouco do Brizola que vi e vivi, não do que me contaram.
Falta ainda dizer que meu Rio de Janeiro vive numa violência tão grande, e os sacanas e ignorantes dizem que foi porque o Brizola "liberou geral" as drogas e o crescimento das favelas. O que ele fez foi dizer que os pobres tinham que ser tratados como cidadãos, que todos mereciam as mesmas oportunidades. Com todos os equívocos que possa ter havido, se o Programa Especial de Educação (o dos CIEPs, ou "Brizolões") tivesse sido mantido e aprimorado, e não destruído, viveríamos numa Cidade e num Estado muito mais felizes. Brizola foi sempre sabotado, pela esquerda arrogante e pela direita raivosa. E, infelizmente, o mesmo povo que ele sempre defendeu muitas vezes cai na conversa desses malandros, no mau sentido. Observem que não falei nada de Cadeia da Legalidade, das encampações dos grupos econômicos estrangeiros, enfim, das lutas dele no período pré-anistia. Não foi de propósito, mas ficou melhor assim, afinal de contas dessa época muitos falaram e vão falar, e eu preferi contar um pouco do Brizola que vi e vivi, não do que me contaram.
Muito Obrigado, Leonel Brizola!
Um grande abraço para a Dona Neusa, o Darcy, o Jango, o Getúlio e tantos outros
que certamente prepararam um belo churrasco para você!